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Da Redação
O Comando Vermelho (CV) traçou um plano ambicioso na Bahia: tornar-se a maior organização criminosa do estado. Para isso, escolheu um território onde já existia presença estruturada do tráfico e condições favoráveis de expansão. O Complexo do Nordeste, em Salvador, tornou-se o ponto central dessa estratégia.
Além da geografia semelhante aos morros cariocas, com vielas estreitas e rotas de difícil acesso, o complexo está cercado por bairros de classe média e alta, como Pituba, Itaigara, Caminho das Árvores e Cidade Jardim. Essa localização oferece duas vantagens: proximidade de consumidores com maior poder aquisitivo e facilidade logística para distribuição de drogas.
“É um mercado varejista interessante para o tráfico, porque não está limitado ao território da comunidade. A proximidade com bairros mais ricos gera rotatividade e um negócio muito atrativo”, afirma o coronel da reserva e professor de Direito da Estácio-FIB, Antônio Jorge, em entrevista ao jornal Correio. A análise foi feita nesta terça-feira (4), dia da Operação Freedom, deflagrada pela Polícia Civil contra o CV na Bahia e no Ceará.
Conforme a reportagem, a lógica é semelhante à da Rocinha, no Rio de Janeiro, território dominado pelo CV e rodeado por bairros nobres como São Conrado e Gávea. Essa configuração facilita o chamado “delivery do tráfico” e amplia o alcance comercial.
Outro fator estratégico é a mobilidade urbana. Do Complexo do Nordeste, o grupo tem acesso rápido a vias como a Vasco da Gama, Juracy Magalhães e à orla, o que favorece tanto o escoamento de drogas e armas quanto rotas de fuga.
O Brasil voltou os olhos, no último dia 28, para a megaoperação no Complexo do Alemão e na Penha, no Rio, que deixou mais de 120 mortos. Uma cena se repetiu: criminosos tentando escapar para áreas mais altas da favela, como ocorreu em 2010, quando imagens deles fugindo armados rodaram o mundo.
No Complexo do Nordeste, porém, esse modelo seria inviável, segundo Antônio Jorge. “É uma área muito povoada, com poucas rotas de fuga. Veja o caso do menino Joel: ele não era alvo, mas toda guerra tem inocentes”, diz, citando Joel Conceição Castro, de 10 anos, morto por bala perdida em 2010.
O Complexo reúne quatro bairros — Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Vale das Pedrinhas e Chapada do Rio Vermelho — e tem cerca de 68 mil moradores, segundo o IBGE (2022).
Ainda de acordo com o Correio, a presença do CV no complexo se intensificou a partir de 2020, quando a facção absorveu o extinto Comando da Paz (CP) e assumiu o enfrentamento contra o Bonde do Maluco (BDM), que tinha o apoio do PCC. Desde então, Salvador e Região Metropolitana passaram a registrar conflitos com uso de fuzis, granadas e casos de moradores mantidos reféns quando criminosos invadiam casas para fugir da polícia.
O controle imposto pelo grupo não se limita ao tráfico. No Complexo do Nordeste, Engenho Velho da Federação e Engomadeira, o serviço de internet é explorado sob cobrança de taxas que podem chegar a R$ 40 mil mensais. Já em áreas como Alto das Pombas, Lobato e Cosme de Farias, comerciantes são obrigados a pagar “pedágio” para trabalhar. Em um desses casos, o empresário Gerson Leopoldino Andrade foi assassinado na Baixa do Tubo após se recusar a pagar R$ 7 mil — executado na frente da família.