
Levantamento do Sou da Paz aponta vendas de 104 milhões de unidades de janeiro a junho deste ano no país; investigações apontam que parte desse material é usado em esquemas criminosos
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Caçadores, atiradores e colecionadores compraram, na primeira metade deste ano, quase 1 milhão de munições de fuzil de calibres frequentemente usados por criminosos. Ao todo, de janeiro a junho deste ano, segundo o Exército, 104 milhões de unidades de munição foram vendidas no Brasil, sendo que a maioria delas foi comprada diretamente por CACs (54 milhões de unidades) ou adquirida através de lojas (42 milhões).
É o que aponta um levantamento do Instituto Sou da Paz divulgado nesta terça-feira (25), feito com dados do Exército obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.
Quando são analisados apenas os calibres de fuzis mais comumente usados pelo crime organizado (223 REM, 5.56x45 mm, 7.62x51 mm e .308Win), o total nacional de munições vendidas é de 1,4 milhão, sendo 67% delas vendidas a CACs (951.520 unidades), o que representa uma média de 5.270 munições de fuzil vendidas a essa categoria por dia.
O levantamento, divulgado inicialmente pelo jornal O Globo e obtido pela Folha, considera a compra segundo a divisão por regiões militares. A 1ª Região Militar, que abrange Espírito Santo e Rio de Janeiro, tem 4% do total de munições vendidas, mas concentra 17% das munições de fuzis vendidas a CACs, com 165 mil unidades.
Considerando o total de munições de fuzil vendidas a todas as categorias de compradores, a 2ª (SP) e a 3ª (RS) regiões concentram 53,4% do total vendido no período, com 753.358 unidades. Elas também estão na frente no total de munições e de compradores -a 2ª tem 26% , com 27.142.985; a 3ª tem 17%, com 17.866.074 unidades.
O levantamento serve, segundo Bruno Langeani, consultor sênior do Instituto Sou da Paz, para dar um alerta sobre reforço na fiscalização de munições. "Não estamos dizendo que todos ou a maioria agem de má fé, mas uma série de investigações têm mostrado esquemas criminosos de venda de munição."
Para ele, isso é um problema ainda maior porque a compra por civis não exige marcações nos estojos. "Se essa munição é desviada por atiradores ou pelo comprador, é muito difícil a polícia conseguir rastrear de volta. É preciso ampliar essa marcação."
Investigar os esquemas de fornecimento é fundamental, de acordo com o instituto, para enfrentar a disponibilidade de munição para grupos crimininosos e evitar casos como o da operação Contenção, no Rio de Janeiro, que deixou 122 mortos, cinco deles agentes de segurança. "Essa disponibilidade é decisiva para a capacidade de enfrentarem a polícia", afirma Langeani.
O especialista também aponta problemas na fiscalização, como relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) que identificou a venda irregular, com CPF de menores de 18 anos e até de falecidos, durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), de 2 milhões de munições.
Para Langeani, o governo Lula (PT) acertou na mudança do regulamento para controlar a entrada de novas armas em circulação, mas aponta que faltou cumprir uma promessa de recompra de armas pesadas. "Mas o estoque que foi comprado, ele continua aí e essas pessoas continuam podendo comprar munição, ainda que em menor quantidade do que podiam no governo Bolsonaro."
Ele também cita a mudança do sistema do Exército usado para controlar munições, que até 2024 era mantido pela Companhia Brasileira de Cartuchos. "Ficamos usando um sistema usado por quem deveria ser fiscalizado."