A memória coletiva precisa ser valorizada e preservada a serviço da vida. Mesmo que não caiba integralmente em poucas palavras, escrevo sobre a nossa história movido pelo mesmo amor que se mantém renovado.
Nosso povo retirolandense tem muito a celebrar. São 63 anos de emancipação política no dia 27 de julho deste ano, tendo por marco a Lei Estadual n. 1.752, de 27/7/1962, que criou o município de Retirolândia, desmembrando-lhe de Conceição do Coité. Mas a história do nosso povo sertanejo forte e a nossa formação precedem o marco da emancipação.
Quando coiteenses como Antônio Félix e Artur Pinto começaram a vender terras e propriedades suas no início do século XX, alguns lotes e imóveis adquiridos por outras famílias deflagraram o progressivo processo de povoamento que foi o embrião do futuro município de Retirolândia. Um tímido conglomerado residencial, impulsionado por razões comerciais, formou-se nas décadas de 20 e 30, reconhecido inicialmente como "Retiro", tanto pelos primeiros moradores como pelos cidadãos que residiam na sede de Conceição do Coité. Esse espaço que ganhava dinamismo com maior velocidade corresponde hoje a uma parte da Praça 27 de Julho.
A principal inspiração para o nome que nos constitui vem da FazendaRetiro Velho de propriedade de Francisco de Araújo, também conhecido como seu "Francisco Mala", pai de João Mala e José de Chiquinho. O atual bairro Retiro Velho abriga uma placa homenageando, merecidamente, essa família acolhedora e generosa. No mesmo período, José Xavier dos Santos (seu Zuza), Sátiro Francisco de Araújo, Antônio Militão Rodrigues, Vitor Martins, Evaristo Carneiro, Selvino Manoel e outros cidadãos e cidadãs foram chegando com suas famílias, trabalhando e se dedicando ao incipiente arraial do Retiro que, em meados da década de 30, ia adquirindo aspecto de povoado.
Em um espaço emblemático mais afastado da casa da Fazenda Retiro Velho, existiu uma frondosa cajazeira em cuja sombra eram realizadas matanças de animais, trocas comerciais, vendas, etc. Ali, tropeiros, vaqueiros, ciganos, pequenos agricultores, outros grupos sociais e retirantes de toda sorte se encontravam para jogar, descansar, comercializar e até dormir e seguir viagem no dia seguinte. A referida cajazeira ficava nas imediações onde, depois, surgiu o Abrigo e o Mercado Municipal.
Embora houvesse pontos comerciais já existentes e outros surgindo próximos da referida cajazeira (como o de Rosalvo Madureira, o deSátiro, de Antônio Militão e outros), a feira debaixo dessa árvore cresceu de tal modo que Jovino Modesto, Evaristo e Militão solicitaram da gestão municipal de Conceição do Coité autorização para a derrubarem, e já pediram apoio para, no mesmo local, ser construído um barracão, uma estrutura mais resistente para abrigar a notável feira. Esse pedido atendido foi um marco importante porque, progressivamente, a vila ansiava sua transformação em distrito (distrito de paz, como chamado à época).
Na década de 40, Retiro assistiu à edificação da sua capela/igreja católica (construída a pedido de D. Valdemira Madureira - D. Milu -, devota de Santo Antônio) e, quando já abrigava um número considerável de residências e comércios, galgou a categoria de distrito em meados da década de 50, com o apoio direto de Wercelêncio Calixto da Mota, então prefeito de Conceição do Coité. Em 1955, seu cunhado Durval Silva Pinto, que o substituiu interinamente como prefeito, sugeriu que o distrito se chamasse Retirolândia.
Neste sentido, a agregação do sufixo "lândia" (que significa cidade) ao nome Retiro (inspirado na Fazenda Retiro Velho) coincidiu com o nascimento do nosso distrito e foi uma ideia maravilhosa de Durval Pinto, advogado e filho do emblemático professor público de Conceição do Coité Olavo Alves Pinto; esse que tem, em nossa terra e de forma merecida, um colégio estadual com seu nome.
A década de 50, notadamente entre 1954 e 1959, foi decisiva. Equipamentos importantes como o Cartório Civil de Pessoas Naturais (instalado em 1954) e a Coletoria de Impostos (instalada em 1959) chegaram ao distrito de Retirolândia, fortalecendo nossa autonomia e as forças políticas em prol da emancipação. Nesse período, nosso distrito era diretamente representado pelos vereadores Bento Eloy e Jovino Modesto.
Após esforços que envolveram um grande número de cidadãos e cidadãs (por mim referidos/as detalhadamente no meu livro Retirolândia: Memória e Vida), o distrito de Retirolândia se tornou município em 27 de julho de 1962. Além dos aqui mencionados, notadamente Bento, Jovino e Evaristo, cidadãos como Deraldino Ramos (primeiro prefeito), Pedro Pinheiro, José Rios, Neca Rios, Teotônio Avelino, Ananias Mascarenhas, Archimedes Moreira, José Militão, Rosalvo Brandão, Adelídio Martins, Elísio Carneiro e outros participaram dos bastidores relacionados à emancipação política.
Nesse processo e na nossa formação histórica como um todo, além dos homens, sempre houve a participação direta e o engajamento imprescindível de corajosas mulheres que precisamos para sempre aplaudir, a exemplo de D. Milu, D. Dália, D. Duína, D. Valdelice Rios (D. Lita, esposa de seu Deraldino), D. Zélia, D. Leopoldina e outras. Também, em locais mais afastados do espaço que se tornou o centro e a sede do nosso município, a exemplo da Jibóia (cuja fazenda embrionária foi vendida por Antônio Militão a Josué Tito), Jitaí e outras comunidades, sempre houve cidadãos e cidadãs residindo com suas famílias, fazendo parte desta mesma corajosa história e contribuindo para o nosso desenvolvimento com fé e resistência.
Como autor do Hino de Retirolândia (oficializado por lei municipal em 2005) e do meu livro aqui já referido e cuja renda foi doada à APAE em 2007 (que detalha o processo da nossa formação histórica), sinto-me renovado no amor e profundo respeito que nutro por nossa Retirolândia, assim como por cada retirolandense que compartilha comigo esta dádiva de valor imensurável: sermos parte da mesma abençoada história. Parabéns, Retirolândia! Como escrevi no Hino, "por ser teu filho, agradecido, louva o meu amor." Muito obrigado, meu Deus!
Enézio de Deus - escritor, advogado, servidor público estadual concursado da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, mestre e doutor em Família pela Ucsal.
Hino de Retirolândia
(Letra e música: Enézio de Deus)
Dos retirantes, nasceu a história.
Sertão, a glória, um povo forte consagrou
A hombridade, na eternidade...
Retiro Velho, a semente, ofertou.
Do Barracão, cresceu sobrevivência.
Fertilidade, o comércio, fez florir.
Pouso de luta, na cajazeira...
O esforço humilde, a vila e as ruas, fez sorrir.
No povoado, doce alegria!
Saudade canta e dança o baile de salão.
Armazém grande, mercado, o brilho...
Festividade! No São Pedro, emoção.
A fé tão nobre, formoso manto,
Sustenta a gente desta terra varonil.
Luzente tempo tornou cidade
Um lugar belo da Bahia e do Brasil.
Retirolândia, tu és o lírio
De um corajoso canto de esplendor!
Retirolândia, por ser teu filho,
Agradecido, louva o meu amor!
Sisal, um verde se fez sorriso.
Na seca, a chuva lava o campo sofredor.
O sertanejo planta, contrito,
A esperança da colheita com fervor.
Pocinho, rocha de água viva.
Nos caldeirões, a natureza se banhou. Sol florescente, matriz querida...
Praça de riso, a juventude despertou.
Da união, a hospitalidade
É luz, presente, no Retiro de valor.
Educação, dom, letra de aurora...
Lembrança pura, saber mestre e doador.
Retirolândia, meu canto santo!
Espaço aberto de ternura, luz e pão.
Descanso nobre, que espelha a vida...
Louvor contente, parte do meu coração.
Retirolândia, tu és o lírio
De um corajoso canto de esplendor!
Retirolândia, por ser teu filho,
Agradecido, louva o meu amor!
Retirolândia, em ti, brotou a paz.
Da esperança, um recanto vivaz.
Salve a amada, cidade divina!
Tu és torrente de beleza cristalina!