
Foto: Victoria Nasck
Da Redação
Arqueólogos localizaram as primeiras ossadas humanas no antigo cemitério de escravizados que funcionava onde hoje está o estacionamento do Complexo da Pupileira, no bairro de Nazaré. A descoberta foi anunciada nesta segunda-feira (26) durante coletiva de imprensa realizada na sede do Ministério Público da Bahia (MP-BA).
O achado, que inclui fragmentos de ossos largos e dentes, representa um marco nas investigações do sítio arqueológico identificado como o maior cemitério de escravizados da América Latina. O material foi encontrado a cerca de 2,5 metros de profundidade, em solo ácido e úmido, o que comprometeu parte da preservação das ossadas, que agora passarão por um processo de conservação.
Coordenado pela arqueóloga Jeanne Dias, o projeto de levantamento arqueológico na área tem como objetivo reconstruir a memória histórica e espiritual das populações negras e marginalizadas sepultadas no local, apagadas da história por quase dois séculos.
“Estamos muito felizes com a localização das ossadas dos remanescentes das comunidades negras, no antigo Cemitério do Campo da Pólvora”, declarou Dias. “Poder debater a trajetória dessas pessoas, escravizadas e marginalizadas, é essencial para compreender a história da Bahia e do Brasil.”
As escavações começaram no último dia 14 de maio, mesma data que marca os 190 anos da Revolta dos Malês — o maior levante de escravizados da história baiana, ocorrido em 1835. Os primeiros vestígios humanos foram encontrados dois dias depois, no dia 16, e datam do século XIX. A escolha da data para o início dos trabalhos arqueológicos teve valor simbólico e histórico, uma vez que há indícios de que mártires das Revoltas dos Malês, dos Búzios (1798) e da Revolução Pernambucana (1817) possam estar entre os enterrados no local.
A identificação do cemitério foi possível graças à pesquisa de doutorado da arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). O estudo aponta ainda que indígenas, membros da comunidade cigana e pessoas pobres, sem recursos para custear um enterro formal, também teriam sido sepultadas ali.
Embora o número total de corpos enterrados na área ainda seja desconhecido, a confirmação da presença de ossadas reforça a importância do sítio arqueológico e abre caminho para novas etapas de escavações e análises, que devem contribuir significativamente para a compreensão das dinâmicas sociais, culturais e espirituais da Salvador colonial e imperial.
Por questões éticas e de sensibilidade, as imagens dos restos mortais não foram divulgadas. O material está sendo catalogado e analisado por especialistas para posterior divulgação dos resultados.